notas de campo de um formador

terça-feira, 13 de março de 2012

Educação de Adultos?!


                Aqui há uns tempos, numa conversa casual com um formando, este perguntava-me o que é que eu estava a estudar na universidade. À minha resposta, Educação de Adultos, o formando reagiu com uma expressão pensativa, revirando os olhos para cima como quem tenta imaginar um objeto distante e estranho. Deve ser uma coisa interessante, acabou por comentar. Perante o meu esclarecimento de que Educação de Adultos era precisamente o que tínhamos vindo a fazer ao longo das sessões de formação que eu dinamizava e ele frequentava, pelo que ele próprio, enquanto formando, estaria em posição de dizer se era, ou não, interessante, este ficou notoriamente confuso: não, o que temos feito é formação, é diferente… Não, não é diferente. Haverá, certamente, formações que não são educação. Certamente terão objetivos e métodos inteiramente diferentes daqueles que me orientam. No meu caso, e no âmbito particular daquilo que ensino, aquilo que faço só pode mesmo ser educação.
                Vários fatores podem explicar a perplexidade do meu formando: o mais importante é de natureza sociológica. De facto desde os séculos XVII e XVIII tem-se consolidado, a par da própria ideia de infância, a delimitação de um espaço social destinado às crianças. Esse espaço é, naturalmente, o espaço da educação, tido como uma instância de preparação para as exigências da vida adulta em sociedade. A educação acabaria, assim, por ser reduzida a uma relação de sinonímia com a escola. Nada contra a escola, entenda-se: no entanto, a educação é muito maior que ela. A outra ideia, a de preparação, é igualmente errada. De facto, qualquer pessoa adulta sabe que a vida é demasiado complexa e imprevisível para que uns meros anos de escolarização nos preparem para ela. Mas a ideia sofre de uma enfermidade ainda pior: a noção implícita de que a vida é uma coisa que está algures no futuro, à nossa espera e que, de certo modo, já está definida, cabendo-nos a nós, pupilos obedientes, prepararmo-nos para ela. Assim, findos os anos dedicados à educação, receberíamos um atestado de maturidade que nos abriria um lugar na sociedade condicente com o nosso desempenho escolar: fim de história.
                De facto, a educação é muito mais do que isto (e a história, diga-se de passagem, muito mais longa e complicada). O quê, concretamente? John Dewey, claramente um empirista, propõe uma definição de educação que se baseia no critério da experiência humana. A educação é, nas palavras do filósofo americano a reconstrução ou reorganização da experiência que acrescenta ao significado da experiência e que aumenta a capacidade de comandar o rumo da experiência subsequente (Dewey, 2011 [1916], p. 45). A esta constante reestruturação experiencial preside um objetivo profundamente orgânico e intimamente impresso na natureza humana: crescer. A questão que se coloca é a seguinte: há um limite para o crescimento? Há algum momento na vida humana em que se chega a um ponto máximo de maturidade? Há algum standard social de ajustamento individual a partir do qual qualquer procura de aperfeiçoamento seja injustificada? Não, obviamente não. De facto, o adulto está, face à criança, numa posição absolutamente privilegiada para proceder à constante reestruturação significativa da experiência que constitui a educação. Por um lado, o adulto dispõe de um manancial de experiência que nenhuma criança possui; por outro, beneficia de uma integração social que lhe fornece muitas mais oportunidades de reorganização reflexiva da mesma. A educação, na sua aceção plena, é um conceito que parece muito mais talhado para os adultos do que para as próprias crianças.
                Apliquemos, portanto, a definição operativa de Dewey àquilo que eu e o meu formando tínhamos vindo a fazer ao longo das sessões de formação. Reconstrução e reorganização da experiência? Sem dúvida: todos os formandos tinham já um conhecimento estruturado da língua inglesa (experiência); recordando construções linguísticas, enquadrando conhecimentos novos e mobilizando-o com vista à sua aplicação em novos contextos os formandos reconstruiam e reorganizavam a sua experiência. A aplicação profissional daquilo que aprendiam, bem como a simulação de situações concretas de utilização da língua inglesa acrescentava ao significado experiencial daquilo que ali estávamos a fazer. Quanto à potenciação da capacidade de controlar a experiência subsequente, a simples aquisição de uma competência tão determinante como o domínio da língua oficial do mundo dos negócios fala por si. E falar, já se sabe, é existir. Penso, portanto, poder assegurar ao formando que o que andamos a fazer é mesmo educar-nos.

                Bibliografia: DEWEY, John (2011). Democracy and Education. New York: The Free Press

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